ESTE
TRABALHO SURGE
pela necessidade natural em conhecer o meu pai, o que passava
por conhecer a sua e minha família. O objectivo acabou por não se concretizar
completamente acabando eu por passar todo o meu tempo livre no Arquivo Distrital
do Porto. No entanto na companhia sempre presente da tia Lula Alão, conheci
para além de primos, pessoas diferentes de mim, que nada teriam a ver comigo se
não fosse o facto de estarmos irremediavelmente ligados por um sangue comum. O
trabalho acabou fechado numa gaveta cerca de 12 anos, com ligeiras actualizações
ocasionais. Gostava que fosse sendo actualizado por cada um de modo a que se
mantenha um projecto vivo. Dou-o por acabado desta maneira incompleta para não
morrer na minha gaveta. Lamento muito hoje, entre outras coisas, não ter usufruído
mais da inteligência, do génio e da excepcional cultura de pessoas como o meu
avô Avelino, o tio Fernando Cunha Leão ou o tio José Paulo Lencastre. Ao lermos
sobre pessoas que existiram e nos deixaram uma impressão, ou que vivem e dão
vida a novas gerações, invadimos um ambiente alheio mas, e vou dizer um lugar
comum, vemos o passado e compreendemos melhor o presente. É uma função da
História, é obvio! Mas só isto já legitima esta intromissão, esta velada mas
rigorosa homenagem a todos referidos. Mas o mais intenso, ao mergulhar neste
projecto, foi a sensação de voltar a fazer viver pessoas já esquecidas há
muito, trazê-las de novo ao palco da vida, como também posso dizer
possidoniamente. Senti-as perto de mim, envolvi-me com as suas coisas, até com
quem lhes era querido e, quase teria a pretensão de dizer, sei o que pensavam.
Para os mais novos, o trabalho revelar-se-á mais ou menos importante consoante
a história, a vida ou o feitio de cada um. Salvador Dali disse, num longo
manifesto em que enumerava as coisas que detestava, que odiava a juventude!
Todos sabemos que quem odeia é que fica a perder, por isso há também a intenção
de deixar uma mensagem de paz, de modo que os mais novos, se forem parentes
muito mais, olhem uns para os outros como pessoas, e como tal com defeitos.
Quando novo, custa-me perdoar aos mais velhos ter-me visto no meio dos seus
ódios. Com o rumo que os tempos tomaram, assiste-se cada vez mais a um evidente
desagregar da família; à perda de espírito de clã; à massificação e à
individualidade; à vida compartimentada em edifícios de betão. Fica este livro
como uma tentativa de reunificação, de referência, a uma casa e a uma gente, a
um sangue forte, encorpado e generoso. Fica isto para quem não posso vir a
servir de exemplo, também. Tendo um interesse grande em conhecer pessoas, duma
maneira geral, atrevo-me a fazer uma introdução de algum modo exagerada de
forma a dar-me a conhecer aos tios e primos que não conheço, ou que conheço
mal. Este trabalho a todos pertence e sem a colaboração de muitos teria sido
impensável mas enquanto não sair da minha mão é só meu e, por isso, queria que
fizesse parte integrante dele a referência a quem dedico este esforço especificamente.
Para a
minha Mãe,
Maria da Conceição;
Para a
Ordem de Malta;
Para
os Tios, meus Amigos, de quem gosto:
Eng.
Luís João de Noronha Pizarro de Castro;
Dr.
Andrea Rocchi;
Dr.
Manuel Ramalho Ortigão de Mello e Vaz de São Payo;
Senhor
José Nicolau Cardoso Pinto Osório da Cunha Coutinho;
Dr.
José Luíz Machado Aires;
Dona
Maria Antónia Bacelar de Sousa Machado;
Dona
Maria Teresa Martins da Rocha Antunes;
Para
os Primos:
Dona
Maria de Lourdes Alão de Morais Corrêa da Silva
Diogo
de Sousa;
Dr.
José Paulo Lencastre Ribeiro da Silva;
Dona
Ana Isabel Lencastre Nunes de Matos Theotónio Pereira;
e na nova geração,
João,
Maria e Tomás Toscano Pessoa Corrêa da Silva;
Maria,
João, Francisca e Manuel Maria da Costa Lima
Lopes
Correia;
Martim,
Duarte e Maria Teresa Andresen Guedes;
Matilde
Helena e Maria Ana Coutinho de Castro Bacelar de Bettencourt.
Ao
debruçar-me sobre este tema, sobre pessoas, vi-me várias vezes na pele de um
metediço, senti-me um invasor na esfera jurídica e pessoal de cada um, conheci
abusivamente uma família! Assim, ficaram estabelecidas relações, sejam elas
quais forem, e como em todas as relações há que obedecer a um equilíbrio! Mais
uma vez abusivamente, mas para que haja esse equilíbrio, considero importante
vermos através de que espírito e em que ambiente foi vista esta família, adiante
descrita de uma forma genealógica, técnica e rigorosa:
Tenho uma cadeira de
baloiço em frente a uma grande janela, onde passo todos os dias muitas horas a
pensar, no balanço constante de notas de música com uma batida sempre igual.
Geralmente
olho para o céu, perco-me nas nuvens, e aqui no segundo andar, as pombas e
gaivotas são a minha companhia real, enquanto voam. Faz parte desta cadeira um
qualquer receio que um dia, uma gaivota venha lá do fundo, que apareça no meio
do céu como um pontinho, lá longe, e num voo certeiro, desenhe uma recta do
infinito para o meio do meu peito, através dos vidros, partindo tudo à minha
volta. Temos então o espectáculo horroroso, do meu corpo morto e desfigurado, com
uma gaivota esmagada contra o peito, e tudo partido, escacado, manchado de
sangue em redor! Seguramente os meus amigos, cúmplices constantes, o Peninha e
o Morcego Vermelho, continuariam a olhar para mim, a rirem-se! Um sorriso que
eu construí com o tempo! A Maggie Simpson, também na parede, com os olhos muito
abertos e a chupeta na boca, ficaria para sempre sem perceber o porquê do
quadro que se lhe deparava, uma pintura feita com ódio e violência, arrancada brutalmente
aos sentidos do artista. Uma planta que me faz companhia — o meu tamagoshi ecológico —, e a quem dou a atenção normal que se dá
às plantas, tinha a reacção normal duma planta numa situação assim. E a minha
alma? A minha alma estava envolta em azul claro, como uma nuvem, a subir
devagarinho, num trajecto na mesma direcção e em sentido inverso ao que a
gaivota tinha feito! Estava serena e sorria, despedia-se das pessoas, sobre a
cidade, prescrutando os corpos e acenando aos espíritos.
A
gaivota passa à história! Voltemos a sentar! Que vejo eu, realmente, desta
janela? Fotograficamente, diria! Até à altura do queixo, o muro da varanda.
Logo acima, ao fundo, um campo de futebol, onde horas a fio, pequenos saudáveis,
com equipamentos sérios, jogam. As equipas vão alternando: os vermelhos e
brancos jogam com os amarelos e pretos, logo a seguir os verdes e azuis com os
côr de laranja e tronco nú. Estou condenado a viver sem nunca saber quem ganha
a quem. Uma calçada de prédios, com um guindaste aqui e ali a sobressair pela
cidade, como monstros a espreguiçarem-se, leva-me até à linha do horizonte, no
mar, onde por cima dos prédios e antes do céu, vejo petroleiros! É verdade, não
acreditam? Venham cá que eu mostro.
Vamos
agora falar de Platão! Teve a educação normal dos nobres do seu tempo:
ginástica, música e retórica. Dionísio, o Antigo, tirano de Siracusa suprimiu a
democracia e inaugurou o poder monárquico; e Platão foi convidado a aconselhar
sobre a forma de estabelecer o melhor regime possível. De volta a Atenas
comprou um jardim dedicado a Academo e fundou a mais célebre Universidade do
mundo que funcionou até 592 D.C. Platão achava que os filósofos deviam ser
chamados Filósofos-Reis ou Reis-Filósofos e deviam governar a cidade e os
hierarquicamente inferiores: os guerreiros e os produtores. Traído por
Dionísio, o Antigo e por Dionísio, o Moço, que lhe sucedeu e por entre uma
geral situação política instável, sentiu nos seus últimos dias como é triste o
fim duma era. Ele faz parte do rol de divindades e de santinhos que me passam
pela cabeça quando pego na caneta radical Sem
Limites 1 que a minha prima Maria me deu. Assim fico sem saber
se ao escrever este livro o seu espírito interveio no meu atordoado cérebro, esguio
braço e desastrada caneta; ou se teria preferido que eu estivesse quietinho e
tivesse ido para canalizador.
Nesta
cadeira, onde se passam coisas tão extraordinárias é que este livro foi
toscamente concebido e organizado. Digo toscamente porque a partir daí todos os
méritos caem no Paulo Cunha Leão que o concebeu graficamente, no Francisco
Cunha Leão que o editou e no Gonçalo Castelo Melhor que o prefaciou e a quem
toda a gente que está neste momento a ler deve estar grata! E se ainda está a
ler é porque o empenho é grande. Ainda bem!
N O T A
N O T A
1 RTP 1 Domingo 12:00.