28 setembro 2015

Introdução - Autor



ESTE TRABALHO SURGE 

pela necessidade natural em conhecer o meu pai, o que passava por conhecer a sua e minha família. O objectivo acabou por não se concretizar completamente acabando eu por passar todo o meu tempo livre no Arquivo Distrital do Porto. No entanto na companhia sempre presente da tia Lula Alão, conheci para além de primos, pessoas diferentes de mim, que nada teriam a ver comigo se não fosse o facto de estarmos irremediavelmente ligados por um sangue comum. O trabalho acabou fechado numa gaveta cerca de 12 anos, com ligeiras actualizações ocasionais. Gostava que fosse sendo actualizado por cada um de modo a que se mantenha um projecto vivo. Dou-o por acabado desta maneira incompleta para não morrer na minha gaveta. Lamento muito hoje, entre outras coisas, não ter usufruído mais da inteligência, do génio e da excepcional cultura de pessoas como o meu avô Avelino, o tio Fernando Cunha Leão ou o tio José Paulo Lencastre. Ao lermos sobre pessoas que existiram e nos deixaram uma impressão, ou que vivem e dão vida a novas gerações, invadimos um ambiente alheio mas, e vou dizer um lugar comum, vemos o passado e compreendemos melhor o presente. É uma função da História, é obvio! Mas só isto já legitima esta intromissão, esta velada mas rigorosa homenagem a todos referidos. Mas o mais intenso, ao mergulhar neste projecto, foi a sensação de voltar a fazer viver pessoas já esquecidas há muito, trazê-las de novo ao palco da vida, como também posso dizer possidoniamente. Senti-as perto de mim, envolvi-me com as suas coisas, até com quem lhes era querido e, quase teria a pretensão de dizer, sei o que pensavam. Para os mais novos, o trabalho revelar-se-á mais ou menos importante consoante a história, a vida ou o feitio de cada um. Salvador Dali disse, num longo manifesto em que enumerava as coisas que detestava, que odiava a juventude! Todos sabemos que quem odeia é que fica a perder, por isso há também a intenção de deixar uma mensagem de paz, de modo que os mais novos, se forem parentes muito mais, olhem uns para os outros como pessoas, e como tal com defeitos. Quando novo, custa-me perdoar aos mais velhos ter-me visto no meio dos seus ódios. Com o rumo que os tempos tomaram, assiste-se cada vez mais a um evidente desagregar da família; à perda de espírito de clã; à massificação e à individualidade; à vida compartimentada em edifícios de betão. Fica este livro como uma tentativa de reunificação, de referência, a uma casa e a uma gente, a um sangue forte, encorpado e generoso. Fica isto para quem não posso vir a servir de exemplo, também. Tendo um interesse grande em conhecer pessoas, duma maneira geral, atrevo-me a fazer uma introdução de algum modo exagerada de forma a dar-me a conhecer aos tios e primos que não conheço, ou que conheço mal. Este trabalho a todos pertence e sem a colaboração de muitos teria sido impensável mas enquanto não sair da minha mão é só meu e, por isso, queria que fizesse parte integrante dele a referência a quem dedico este esforço especificamente.

Para a minha Mãe, Maria da Conceição;

Para a Ordem de Malta;

Para os Tios, meus Amigos, de quem gosto:

Eng. Luís João de Noronha Pizarro de Castro;
Dr. Andrea Rocchi;
Dr. Manuel Ramalho Ortigão de Mello e Vaz de São Payo;
Senhor José Nicolau Cardoso Pinto Osório da Cunha Coutinho;
Dr. José Luíz Machado Aires;
Dona Maria Antónia Bacelar de Sousa Machado;
Dona Maria Teresa Martins da Rocha Antunes;

Para os Primos:

Dona Maria de Lourdes Alão de Morais Corrêa da Silva
Diogo de Sousa;
Dr. José Paulo Lencastre Ribeiro da Silva;
Dona Ana Isabel Lencastre Nunes de Matos Theotónio Pereira;

e na nova geração,

João, Maria e Tomás Toscano Pessoa Corrêa da Silva;
Maria, João, Francisca e Manuel Maria da Costa Lima
Lopes Correia;
Martim, Duarte e Maria Teresa Andresen Guedes;

Matilde Helena e Maria Ana Coutinho de Castro Bacelar de Bettencourt.

Ao debruçar-me sobre este tema, sobre pessoas, vi-me várias vezes na pele de um metediço, senti-me um invasor na esfera jurídica e pessoal de cada um, conheci abusivamente uma família! Assim, ficaram estabelecidas relações, sejam elas quais forem, e como em todas as relações há que obedecer a um equilíbrio! Mais uma vez abusivamente, mas para que haja esse equilíbrio, considero importante vermos através de que espírito e em que ambiente foi vista esta família, adiante descrita de uma forma genealógica, técnica e rigorosa: 

Tenho uma cadeira de baloiço em frente a uma grande janela, onde passo todos os dias muitas horas a pensar, no balanço constante de notas de música com uma batida sempre igual.

Geralmente olho para o céu, perco-me nas nuvens, e aqui no segundo andar, as pombas e gaivotas são a minha companhia real, enquanto voam. Faz parte desta cadeira um qualquer receio que um dia, uma gaivota venha lá do fundo, que apareça no meio do céu como um pontinho, lá longe, e num voo certeiro, desenhe uma recta do infinito para o meio do meu peito, através dos vidros, partindo tudo à minha volta. Temos então o espectáculo horroroso, do meu corpo morto e desfigurado, com uma gaivota esmagada contra o peito, e tudo partido, escacado, manchado de sangue em redor! Seguramente os meus amigos, cúmplices constantes, o Peninha e o Morcego Vermelho, continuariam a olhar para mim, a rirem-se! Um sorriso que eu construí com o tempo! A Maggie Simpson, também na parede, com os olhos muito abertos e a chupeta na boca, ficaria para sempre sem perceber o porquê do quadro que se lhe deparava, uma pintura feita com ódio e violência, arrancada brutalmente aos sentidos do artista. Uma planta que me faz companhia — o meu tamagoshi ecológico —, e a quem dou a atenção normal que se dá às plantas, tinha a reacção normal duma planta numa situação assim. E a minha alma? A minha alma estava envolta em azul claro, como uma nuvem, a subir devagarinho, num trajecto na mesma direcção e em sentido inverso ao que a gaivota tinha feito! Estava serena e sorria, despedia-se das pessoas, sobre a cidade, prescrutando os corpos e acenando aos espíritos.

A gaivota passa à história! Voltemos a sentar! Que vejo eu, realmente, desta janela? Fotograficamente, diria! Até à altura do queixo, o muro da varanda. Logo acima, ao fundo, um campo de futebol, onde horas a fio, pequenos saudáveis, com equipamentos sérios, jogam. As equipas vão alternando: os vermelhos e brancos jogam com os amarelos e pretos, logo a seguir os verdes e azuis com os côr de laranja e tronco nú. Estou condenado a viver sem nunca saber quem ganha a quem. Uma calçada de prédios, com um guindaste aqui e ali a sobressair pela cidade, como monstros a espreguiçarem-se, leva-me até à linha do horizonte, no mar, onde por cima dos prédios e antes do céu, vejo petroleiros! É verdade, não acreditam? Venham cá que eu mostro.

Vamos agora falar de Platão! Teve a educação normal dos nobres do seu tempo: ginástica, música e retórica. Dionísio, o Antigo, tirano de Siracusa suprimiu a democracia e inaugurou o poder monárquico; e Platão foi convidado a aconselhar sobre a forma de estabelecer o melhor regime possível. De volta a Atenas comprou um jardim dedicado a Academo e fundou a mais célebre Universidade do mundo que funcionou até 592 D.C. Platão achava que os filósofos deviam ser chamados Filósofos-Reis ou Reis-Filósofos e deviam governar a cidade e os hierarquicamente inferiores: os guerreiros e os produtores. Traído por Dionísio, o Antigo e por Dionísio, o Moço, que lhe sucedeu e por entre uma geral situação política instável, sentiu nos seus últimos dias como é triste o fim duma era. Ele faz parte do rol de divindades e de santinhos que me passam pela cabeça quando pego na caneta radical Sem Limites 1 que a minha prima Maria me deu. Assim fico sem saber se ao escrever este livro o seu espírito interveio no meu atordoado cérebro, esguio braço e desastrada caneta; ou se teria preferido que eu estivesse quietinho e tivesse ido para canalizador.

Nesta cadeira, onde se passam coisas tão extraordinárias é que este livro foi toscamente concebido e organizado. Digo toscamente porque a partir daí todos os méritos caem no Paulo Cunha Leão que o concebeu graficamente, no Francisco Cunha Leão que o editou e no Gonçalo Castelo Melhor que o prefaciou e a quem toda a gente que está neste momento a ler deve estar grata! E se ainda está a ler é porque o empenho é grande. Ainda bem!

N  O T A


1    RTP 1 Domingo 12:00.